Os últimos dias foram marcados por afirmações, comportamentos e efemérides que conduzem a profundas e sérias reflexões seja dos analistas seja do povo sábio e sensato.
Cinquenta anos passaram sobre a abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II convocado por João XXIII, para espanto de todos, nomeadamente da Cúria Romana enclausurada nos palácios do Vaticano e insensível às mudanças que então se operavam.
Durante quatro anos, mais de 2.500 Bispos de todo o mundo, reuniram-se em Roma para, afirmou o Papa, "um momento de reflexão global da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo" face ao “impulso vindo também das grandes mudanças do mundo contemporâneo, que, como “sinais dos tempos”, exigiam ser decifradas à luz da Palavra de Deus".
A reflexão foi feita, com maior ou menor profundidade teológica e pastoral, de que resultaram as constituições: sobre a Igreja, a Liturgia, a Palavra de Deus, a Igreja no mundo e vários decretos: sobre os Bispos, o clero, os Seminários, a vida religiosa, Igrejas orientais, as missões, o ecumenismo, a liberdade religiosa, sobre os leigos, a educação cristã e sobre os meios de comunicação social.
O Concílio, segundo Paulo VI, serviu “para despertar, para renovar, para modernizar, para intensificar, para dilatar a vida da Igreja, para aumentar a sua energia, a sua capacidade de corresponder à própria vocação, a sua aptidão de oferecer ao mundo contemporâneo a mensagem de Salvação em Cristo Senhor”
É este compromisso de Fé que o atual Pontífice, um dos teólogos do Concílio, vem propôr neste ano-cinquentenário, realçando a atualidade da sua mensagem e a necessidade de uma reflexão sobre os documentos conciliares.
A instabilidade e incerteza que grassam por toda a Europa, nomeadamente no nosso país, confronta, novamente a Igreja a assumir como suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias dos homens deste tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem.”(G.S)
Isto requer uma atenção, escuta e olhar permanentes aos sinais que, diariamente, surgem na sociedade em que vivemos. O desemprego crescente e incontrolado afeta centenas de milhar de homens e mulheres de todas as idades sobretudo os mais idosos e aumenta a insatisfação dos jovens à procura do primeiro emprego, apesar da sua formação superior e profissional. A indisponibilidade financeira dos indivíduos e das famílias não só para adquirir o indispensável à sobrevivência, mas também para satisfazer compromissos bancários assumidos em tempos mais favoráveis.
É tanta gente que, de um ano para o outro, viu diminuída a sua condição social e que protesta nas ruas, reclamando direitos que lhe estão a ser negados por instituições públicas, sujeitas a imposições da alta finança internacional que revelam usura desmedida.
A compreensão destas situações, repudiadas pela doutrina social da Igreja, deve levar à sua denúncia dos fiéis e, sobretudo do clero, como propuseram, então, os padres conciliares: “As exigências da justiça e da equidade obrigam a um vigoroso esforço, a fim de que, no respeito pelos direitos pessoais e do caráter próprio de cada povo, desapareçam, o mais rapidamente possível as imensas desigualdades económicas”(GS 66). E a Constituição sobre a Igreja no Mundo acrescenta:” tem de haver o cuidado de assegurar a cada um o emprego suficiente e adaptado(...) e devem estar garantidos os meios de subsistência e a dignidade humana daqueles que, sobretudo devido à doença ou à idade, se encontram em mais graves dificuldades.”
Quando não existem meios de atingir individual e coletivamente uma vida digna, o que cabe aos responsáveis económicos e políticos perseguir, a todo o custo, através de ações concertadas com parceiros sociais, investidores, Estado e organismos internacionais, estão reunidas as condições para o surgimento da sublevação social, geradora de conflitos que, habitualmente, redundam em guerras internas e fratricidas, destruidoras de regiões e de povos.
A Hierarquia da Igreja, na sua missão evangélica de orientar, deve apontar aos fiéis e à sociedade retos caminhos, denunciar atropelos aos direitos humanos e estar atenta aos sinais de conflitos latentes na sociedade.
Colocar-se ao lado de qualquer poder económico, cultural ou político, desvalorizando ou criticando o clamor dos pobres, é contrariar a missão evangélica de ser “sinal e salvaguarda do caráter transcendente da pessoa humana” (GS 76).
Nos tempos que correm, à Igreja não se exige apenas o exercício da caridade e da partilha de bens por um número crescente de necessitados. Impõe-se uma permanente e destemida denúncia evangélica dos atropelos à justiça e à dignidade humana que forjou, na milenar história da Igreja, tantos mártires.
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